quarta-feira, 13 de março de 2019

Lançamento


O convite para preparar o volume dedicado a Sônia Viegas na coleção “BH Perfis”, representou um grande desafio para mim. Não se tratava de reconstituir uma biografia em sentido estrito, mas um perfil. Tratava-se de reportar flashessignificativos, pontos de luz, de evidenciar as superfícies reflexivas e mostrar algumas das muitas faces de sua vida. Além disso, motivava-me o fato de que seria o primeiro volume desta coleção dedicado a uma mulher, cuja vida se desenrolou de modo pleno em todas os âmbitos que sua condição comportava, como filha, esposa, mãe, professora e amiga.
Ao nos debruçamos sobre o extraordinário legado de Sônia, conservado nos mais diferentes tipos de suportes materiais e de registros, a dificuldade inicial foi a de traçar o caminho a ser percorrido na redação deste perfil. Textos, artigos, comentários, gravações, ao lado de um número significativo e expressivo de testemunhos e depoimentos de pessoas que conviveram com ela nos mais diferentes campos em que se desenrolou sua atividade profissional e sua vida cotidiana, além de um epistolário que em nada deixa a desejar quando comparado aos demais registros. Constituímos um volume significativo de notas, de vívidas impressões e intuições, ao qual se somaram as nossas lembranças pessoais do pouco tempo que convivemos com Sônia. O plano da obra foi se impondo por si mesmo ao longo da leitura desse material, e aos poucos foi ganhando forma como caminho aquele de apresentar o percurso de formação da Sônia e de seu pensamento, e de mostrar a importância de sua atividade na universidade e na vida cultural de Belo Horizonte.
O nosso desejo foi o de proporcionar aos que não a conheceram, aos que não tiveram a oportunidade de conviver com ela, um ponto de partida para estabelecer um primeiro contato com essa figura ímpar da história de Belo Horizonte, além de possibilitar àqueles que a conheceram a descoberta do itinerário ao longo do qual se gestou sua concepção da filosofia e de seu ensino.
Pela rememoração do diálogo vivo que sempre manteve com todos os que dela se acercavam, diálogo animado e enriquecido pela travessia de milênios de história da filosofia, tradição pela qual ela transitava com agilidade e perspicácia, é possível identificar o fio de Ariadne que nos leva até Sônia. É igualmente possível reconhecer as fontes que lhe inspiraram em cada um dos campos em que desenvolveu sua reflexão filosófica. E é possível, ainda, evocar sua enorme capacidade de atuar como interlocutora, como coadjuvante na abordagem das questões de nosso tempo. E Sônia não dialogava apenas com os grandes pensadores e tradições filosóficas de cada época, mas também, e com não menor atenção, com as várias formas de expressão da cultura, de expressões artísticas, das mais clássicas às mais recentes, das artes plásticas ao cinema e à literatura. E, ainda, ela se deixava interpelar pelas múltiplas performances e experiências humanas captadas à sua volta, que, uma vez captadas pelas sua sensibilidade, eram apropriadas e tornadas matéria para o seu pensamento, objetos fecundos de interrogação e de reflexão.
Com sua atividade de professora, Sônia imprimiu a sua marca no ensino de filosofia na universidade, ao mesmo tempo que, transcendendo os seus muros, fez com que essa experiência chegasse até àqueles que se encontravam distantes do seu cotidiano, abrindo assim uma via de acesso à experiência filosófica para a comunidade de Belo Horizonte. E, como consequência natural, ela aumentou a capilaridade da filosofia praticada na academia, tornando-a mais permeável aos apelos conscientes ou inconscientes que pressentiu à sua volta, e que tão bem soube captar e encaminhar à reflexão através de seus cursos, seminários, conferências e artigos de jornal. Ela concebia a filosofia como a expressão de um processo de “maturação histórica da humanidade”, e, cônscia de sua potência, ela quis oferecer, a todos que se mostravam sensíveis ao seu pathos, a oportunidade de experimentar o intenso sentimento de humanidade e de prazer que essa mesma filosofia é capaz de proporcionar em seu ato de reflexão.
A experiência do filosofar se equiparava, para os que conviveram com Sônia, ao trágico-épico e necessário itinerário de Riobaldo Tatarana pelas veredas do grande sertão roseano. Sônia pretendia proporcionar aos seus interlocutores uma ocasião para se lançar na travessia empreendida por Riobaldo, de modo a suscitar o desejo de ressignificar suas experiências existenciais, de encontrar uma maneira diversa de considerar suas questões, de equacionar sua vida por meio de representações que lhes conferissem sentido, e lhes permitissem, enfim, criar a partir delas “obras e monumentos poéticos”. Como ela dizia, “transformar uma tal experiência em representações e em obras é criar os monumentos poéticos da história da humanidade. Vivenciá-la em palavras é fazer filosofia” (VIEGAS, 1988).
Miriam Campolina Diniz Peixoto

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